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O posicionamento do TCU sobre juntada de documento novo em licitações Lei 14.133/21
O posicionamento do TCU sobre juntada de documento novo em licitações Lei 14.133/21
Professora Flavia Daniel Vianna
Professora Flavia Daniel Vianna
Qual o limite para correção de erros na apresentação de documentos ou propostas pelos licitantes??
Esta possibilidade encontra-se dentro do poder de saneamento do pregoeiro ou comissão de contratação, e não viola o princípio da isonomia, desde que efetuado seguindo algumas regras.
A primeira é que o defeito ou falha a ser corrigido não se refira à uma falha substancial, que atinja a essência ou a natureza do documento. As únicas falhas que podem ser corrigidas são aquelas meramente formais, que não alterem a substancia da proposta ou do documento, não violando o princípio da isonomia.
Por exemplo: falta de numeração, rubrica, quando o dossiê é solicitado em duas vias e o licitante entrega apenas uma via, quando o licitante coloca o preço da proposta em arábico e não por extenso (não há nenhuma duvida do valor oferecido), são todos exemplos de falhas formais que podem ser corrigidas facilmente, não implicando na inabilitação ou desclassificação do licitante, remetendo ao principio da razoabilidade.
Contudo, um exemplo de falha substancial que não pode ser corrigida, seria o licitante simplesmente não entregar no dia da licitação um atestado de capacidade técnica, o balanço patrimonial, o contrato social ou qualquer outro documento que foi exigido no edital, seja por esquecimento, falta de atenção, ou simplesmente por não possuir aquele documento. Nesse caso, será inabilitado.
(excepcionando-se a questão da LC 123/06 em relação aos seus beneficiados).
(excepcionando-se a questão da LC 123/06 em relação aos seus beneficiados).
Contudo, esse tema foi alvo de importantes entendimentos no TCU, e que traremos aqui para você.
De um lado, o licitante responsável pela falha tenta convencer o agente de que a falha deve ter sua correção permitida em vista do princípio da competitividade, que determina que todas as condutas e decisões da administração devem ser pautadas pela busca da ampliação da competição, na busca do maior número de interessados.
De outro lado, os demais concorrentes já deixam claro que se for permitido o saneamento, haverá interposição de recursos pois o licitante descumpriu o edital.
Instaura-se um aparente conflito entre os princípios da legalidade, isonomia, vinculação ao instrumento convocatório e competitividade.
O conflito de princípios resolver-se pela ponderação (lei da ponderação , Alexy), de forma que no caso concreto será avaliado a qual princípio será atribuído maior peso.
Se a falha cometida pelo licitante for meramente formal, o defeito deve sim ser passível de correção, permitindo que o licitante continue na licitação.
Nesse caso o princípio da competitividade teve peso maior a ser atribuído ao caso concreto, uma vez que a correção de falhas formais se impõe para ampliar a competitividade sem que exista qualquer lesão à Administração e licitantes.
Se a falha contudo for material, substancial, por exemplo esquecer documento vital de habilitação, o defeito não pode ser corrigido, o licitante será inabilitado e afastado do certame. O princípio de maior peso nesse caso foi o da legalidade, isonomia e vinculação ao edital.
Sobre esse assunto a Lei 14.133/21 prevê:
Lei 14.133/21:
Art. 64. Após a entrega dos documentos para habilitação, não será permitida a substituição ou a apresentação de novos documentos, salvo em sede de diligência, para:
I - complementação de informações acerca dos documentos já apresentados pelos licitantes e desde que necessária para apurar fatos existentes à época da abertura do certame;
II - atualização de documentos cuja validade tenha expirado após a data de recebimento das propostas.
O TCU em 2021 proferiu uma decisão (Acórdão 1211/2021-Plenário), firmando um posicionamento inovador. Segundo o TCU deve-se admitir a juntada de documentos que não foi apresentado no momento devido, da habilitação, por um equivoco ou falha do licitante, desde que o licitante já possuísse o documento ou atendesse o requisito do edital no momento da abertura da licitação. Vejamos:
Acórdão 1211/2021-Plenário
1.Admitir a juntada de documentos que apenas venham a atestar condição pré-existente à abertura da sessão pública do certame não fere os princípios da isonomia e igualdade entre as licitantes e o oposto, ou seja, a desclassificação do licitante, sem que lhe seja conferida oportunidade para sanear os seus documentos de habilitação e/ou proposta, resulta em objetivo dissociado do interesse público, com a prevalência do processo (meio) sobre o resultado almejado (fim).
2.O pregoeiro, durante as fases de julgamento das propostas e/ou habilitação, deve sanear eventuais erros ou falhas que não alterem a substância das propostas, dos documentos e sua validade jurídica, mediante decisão fundamentada, registrada em ata e acessível aos licitantes, nos termos dos arts. 8º, inciso XII, alínea “h”; 17, inciso VI; e 47 do Decreto 10.024/2019; sendo que a vedação à inclusão de novo documento, prevista no art. 43, §3º, da Lei 8.666/1993 e no art. 64 da Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021), NÃO ALCANÇA documento ausente, comprobatório de condição atendida pelo licitante quando apresentou sua proposta, que não foi juntado com os demais comprovantes de habilitação e/ou da proposta, por equívoco ou falha, o qual deverá ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro.
E no mesmo Acórdão 1221/21:
Em alinhamento com esse entendimento, a vedação à inclusão de documento "que deveria constar originariamente da proposta", prevista no art. 43, §3º, da Lei 8.666/1993, deve se restringir ao que o licitante não dispunha materialmente no momento da licitação. Caso o documento ausente se refira a condição atendida pelo licitante quando apresentou sua proposta, e não foi entregue juntamente com os demais comprovantes de habilitação ou da proposta por equívoco ou falha, haverá de ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro.
Isso porque admitir a juntada de documentos que apenas venham a atestar condição pré-existente à abertura da sessão pública do certame não fere os princípios da isonomia e igualdade entre as licitantes e o oposto, ou seja, a desclassificação do licitante, sem que lhe seja conferida oportunidade para sanear os seus documentos de habilitação, resulta em objetivo dissociado do interesse público, com a prevalência do processo (meio) sobre o resultado almejado (fim).
(...)
Assim, nos termos dos dispositivos citados, inclusive do art. 64 da Lei 14.133/2021, entendo não haver vedação ao envio de documento que não altere ou modifique aquele anteriormente encaminhado. Por exemplo, se não foram apresentados atestados suficientes para demonstrar a habilitação técnica no certame, talvez em razão de conclusão equivocada do licitante de que os documentos encaminhados já seriam suficientes, poderia ser juntado, após essa verificação no julgamento da proposta, novos atestados de forma a complementar aqueles já enviados, desde que já existentes à época da entrega dos documentos de habilitação.
A decisão foi confirmada no TCU por diversos acórdão que se seguiram:
Acórdãos 2443/2021-Plenário, 468/2022-Plenário: Admitir a juntada de documentos que apenas venham a atestar condição pré-existente à abertura da sessão pública do certame não fere os princípios da isonomia e igualdade entre as licitantes e o oposto, ou seja, a desclassificação do licitante, sem que lhe seja conferida oportunidade para sanear os seus documentos de habilitação e/ou proposta, resulta em objetivo dissociado do interesse público, com a prevalência do processo (meio) sobre o resultado almejado (fim) . O pregoeiro, durante as fases de julgamento das propostas e/ou habilitação, deve sanear eventuais erros ou falhas que não alterem a substância das propostas, dos documentos e sua validade jurídica, mediante decisão fundamentada, registrada em ata e acessível aos licitantes, nos termos dos arts. 8º, inciso XII, alínea "h"; 17, inciso VI; e 47 do Decreto 10.024/2019; sendo que a vedação à inclusão de novo documento, prevista no art. 43, §3º, da Lei 8.666/1993 e no art. 64 da Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021) , não alcança documento ausente, comprobatório de condição atendida pelo licitante quando apresentou sua proposta, que não foi juntado com os demais comprovantes de habilitação e/ou da proposta, por equívoco ou falha, o qual deverá ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro”.
Acórdão 1795/2015 Plenário. É irregular a inabilitação de licitante em razão de ausência de informação exigida pelo edital, quando a documentação entregue contiver de maneira implícita o elemento supostamente faltante e a Administração não realizar a diligência prevista no art.iv43, §v3º, da Lei 8.666/93, por representar formalismo exagerado, com prejuízo à competitividade do certame.
Acórdão 1.211/21 – Plenário do TCU: A vedação à inclusão de novo documento, prevista no art. 43, §3º, da Lei 8.666/1993 e no art. 64 da Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021), não alcança documento ausente, comprobatório de condição atendida pelo licitante quando apresentou sua proposta, que não foi juntado com os demais comprovantes de habilitação e/ou da proposta, por equívoco ou falha, o qual deverá ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro.
Acórdão nº 2443/2021 – Plenário do TCU:
“A vedação à inclusão de novo documento, prevista no art. 43, § 3º, da Lei 8.666/1993 e no art. 64 da Lei 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos), não alcança documento destinado a atestar condição de habilitação preexistente à abertura da sessão pública, apresentado em sede de diligência”.
ACÓRDÃO Nº 468/2022 - TCU - Plenário
Admitir a juntada de documentos que apenas venham a atestar condição pré-existente à abertura da sessão pública do certame não fere os princípios da isonomia e igualdade entre as licitantes e o oposto, ou seja, a desclassificação do licitante, sem que lhe seja conferida oportunidade para sanear os seus documentos de habilitação e/ou proposta, resulta em objetivo dissociado do interesse público, com a prevalência do processo (meio) sobre o resultado almejado (fim).
ACÓRDÃO Nº 988/2022 - TCU - Plenário
nos casos em que os documentos faltantes relativos à habilitação em pregões forem de fácil elaboração e consistam em meras declarações sobre fatos preexistentes ou em compromissos pelo licitante, deve ser concedido prazo razoável para o devido saneamento, em respeito aos princípios do formalismo moderado e da razoabilidade, bem como ao art. 2º, caput, da Lei 9.784/1999
Importante mencionar que há reiterada jurisprudência do TCU no sentido de que a Administração preze pelos princípios do formalismo moderado e da razoabilidade na condução das licitações, evitando inabilitar um licitante sem antes lhe dar a oportunidade de corrigir
eventuais falhas em seus documentos de habilitação, desde que essas falhas sejam sanáveis e
atestem uma condição pré-existente à abertura da sessão pública do certame. Isso porque inabilitar um licitante por mera falha sanável resulta em objetivo dissociado do interesse público, em que o procedimento licitatório (meio) prevalece sobre o resultado almejado, que é a obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração (fim).[1]
Contudo o STJ não concorda com esse entendimento:
"Como o entendimento do Tribunal de origem não encontra ressonância na jurisprudência do STJ, que não admite a inclusão, em momento posterior, de documento novo, que deveria constar da fase de habilitação, deve ser provido o Recurso Especial, para conceder a segurança, a fim de considerar inabilitada a empresa Vanguarda Construções e Serviços de Conservação Viária Ltda, nos lotes 13, 18, 40 e 54 da Concorrência 5/2017 do DER/SP" (RESP 1894069, de 30.06.2021)
Da mesma forma a doutrina:
O Tribunal de Contas da União (...) afirma que admitir a juntada de novos documentos que atestem condições preexistentes não fere a isonomia e a igualdade, e o oposto, não os admitir, seria contrario ao interesse público. Essas assertivas do Tribunal de Contas da União podem até estar corretas, porém, são juízos de mérito sobre conveniência e oportunidade e não sobre a legalidade. A opinião do Tribunal de Contas da União sobre a medida que melhor satisfaz o interesse público não poderia se sobrepor ao prescrito pelo legislador (...) Certo ou errado, o entendimento do Tribunal de Contas da União é o que deve prevalecer perante a Administração Pública, especialmente em âmbito federal, diante da sua posição de protagonismo perante os órgãos de controle.[2]
Como essa discussão termina? Enquanto os analistas de licitação terão que utilizar a corrente de acordo com o interesse da empresa que está representando, os agentes públicos podem consultar seu órgão de assessoramento jurídico e também seu Tribunal de Contas para já aderirem a uma corrente quando o problema na prática ocorrer, adotar a corrente de forma fundamentada nas orientações acima e também em seu Tribunal de Contas e jurídico. É certo que na esfera federal, os órgãos jurisdicionados ao TCU devem seguir as orientações do TCU.
Importante notar que em caso de documentos que possam ser emitidos diretamente pelo site do órgão emissor, via internet, o pregoeiro/agente pode utilizar o dispositivo abaixo, podendo efetuar a emissão no momento da habilitação caso o documento não conste no sistema/SICAF/registro cadastral:
Lei 14.133/21
Art. 68 (que trata da habilitação fiscal, social e trabalhista)
§ 1º Os documentos referidos nos incisos do caput deste artigo poderão ser substituídos ou supridos, no todo ou em parte, por outros meios hábeis a comprovar a regularidade do licitante, inclusive por meio eletrônico.
INSTRUÇÃO NORMATIVA SEGES/ME Nº 73, DE 30 DE SETEMBRO DE 2022 (menor preço e maior desconto)
Art. 39.
§ 6º A verificação pelo agente de contratação ou pela comissão de contratação, quando o substituir, em sítios eletrônicos oficiais de órgãos e entidades emissores de certidões constitui meio legal de prova, para fins de habilitação.
INSTRUÇÃO NORMATIVA SEGES/MGI Nº 2, DE 7 DE FEVEREIRO DE 2023 (técnica e preço)
Art. 36
§ 6º A verificação pelo agente de contratação ou pela comissão de contratação, quando o substituir, em sítios eletrônicos oficiais de órgãos e entidades emissores de certidões constitui meio legal de prova, para fins de habilitação.
INSTRUÇÃO NORMATIVA SEGES/ME Nº 96, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2022
(maior retorno econômico)
Art. 46
§ 6º A verificação pelo agente de contratação ou pela comissão de contratação, quando o substituir, em sítios eletrônicos oficiais de órgãos e entidades emissores de certidões constitui meio legal de prova, para fins de habilitação.
INSTRUÇÃO NORMATIVA SEGES/MGI Nº 12, DE 31 DE MARÇO DE 2023
(melhor técnica ou conteúdo artístico)
(melhor técnica ou conteúdo artístico)
Art. 34.
§ 6º A verificação pelo agente de contratação ou pela comissão de contratação especial, em sítios eletrônicos oficiais de órgãos e entidades emissores de certidões constitui meio legal de prova, para fins de habilitação.
Sobre o art. 68, § 1º da Lei 14.133/21, o professor Joel de Menezes[3] Niebuhr se posicionou da seguinte forma:
Logo, o agente ou comissão responsável pela condução da licitação, se constatar impropriedade em alguma certidão de regularidade fiscal, social ou trabalhista, deve acessar o endereço eletrônico da entidade responsável por emiti-la e verificar a situação real do licitante. Se ele estiver em situação de regularidade, deve ser habilitado.
Além disso é importante trazer o que pensa a doutrina sobre esse assunto?
O professor Ronny Charles[4] se manifestou no seguinte sentido, ao analisar a Nova Lei de Licitações:
“(...) se os documentos de habilitação técnica foram juntados, mas há dúvidas sobre se conteúdo, a diligência pode admitir a juntada de novo documento. Contudo, caso a empresa não tenha juntado os respectivos documentos, não cabe diligência para tal finalidade. Ao menos, foi essa a regra estabelecida pelo legislador.
Por outro lado, falhas formais ou materiais nos documentos (erro de digitação no CNPJ ou nome da empresa, por exemplo) podem ser saneados pelo agente de contratação, pregoeiro ou comissão de contratação”.
O modelo de edital da AGU inclusive prevê:
1.1 É de responsabilidade do licitante conferir a exatidão dos seus dados cadastrais no Sicaf e mantê-los atualizados junto aos órgãos responsáveis pela informação, devendo proceder, imediatamente, à correção ou à alteração dos registros tão logo identifique incorreção ou aqueles se tornem desatualizados. (IN nº 3/2018, art. 7º, caput).
1.1.1 A não observância do disposto no item anterior poderá ensejar desclassificação no momento da habilitação. (IN nº 3/2018, art. 7º, parágrafo único).
1.1 A verificação pelo pregoeiro, em sítios eletrônicos oficiais de órgãos e entidades emissores de certidões constitui meio legal de prova, para fins de habilitação.
[1] Licitações e Contratos. Orientações e Jurisprudência do TCU. 5.ed.,p.546
[2] NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contrato Administrativo. Ed. Fórum, 2023, p.683.
[3] MENEZES NIEBUHR, Joel de. Licitação Pública e Contrato Administrativo. Ed. Fórum: Bh, p. 818.
[4] TORRES, Ronny Charles Lopes. Leis de Licitações Públicas comentadas. Ed. Jus Podivim, p. 390.
Credenciamento: processo administrativo de chamamento público em que a Administração Pública convoca interessados em prestar serviços ou fornecer bens para que, preenchidos os requisitos necessários, se credenciem no órgão ou na entidade para executar o objeto quando convocados;